21/05/2007
Outra cidade
Não se estão construindo no Brasil outras cidades, mas está surgindo, em especial, um outro olhar
Um grupo de 30 alunos da pós-graduação da Fundação Vanzolini, ligada à Politécnica da USP, criou um programa de internet para ensinar aos alunos e professores como tirar proveito de sua vizinhança. Digita-se, por exemplo, a palavra "skate" e fica-se sabendo como encontrar, nas redondezas, aulas desse esporte. Escrevendo o termo "drogas", surgirão, na tela, os nomes dos médicos e dos psicólogos mais próximos dispostos a ajudar as vítimas da dependência.
Simplificando, é uma espécie de "Google" focado no bairro para transformá-lo num amontoado de trilhas educativas, que vão de ações de planejamento familiar de um centro de saúde a concertos gratuitos de uma orquestra sinfônica, passando por conferências em uma universidade. A chave do programa é capacitar a comunidade para montar seu próprio banco de dados; a iniciativa vale por um curso popular de georreferenciamento.
Finalizado há menos de um mês, o buscador de bairro surgiu como um trabalho de conclusão de curso, desses que, na maioria das vezes, acabam esquecidos. Daí a surpresa para os universitários quando o Ministério da Educação, ao tomar conhecimento da invenção, decidiu então disseminá-la em todo o país para realizar a formação de professores e diretores, ajudando-os a criar comunidades de aprendizagem em torno de suas escolas.
O que interessa aqui não é a educação nem a informática, mas a dica por trás da rápida aceitação desse mecanismo de busca: isso tem muito mais a ver com política do que com tecnologia.
Está crescendo a percepção de que boa parte da solução dos problemas sociais brasileiros depende da inventividade local, numa inversão da lógica brasileira tradicional de valorização do poder central.
Um indicador interessante dessa tendência foi exibido, na manhã de terça-feira passada, no lançamento do movimento "Nossa São Paulo: Outra Cidade". Estavam ali, entre outros, líderes do movimento dos sem-teto, dirigentes de associações de carroceiros, educadores da periferia, atletas, diretores de banco e empresários que integram a lista dos bilionários brasileiros.
O encontro visava apoiar a idéia de uma mobilização apartidária com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na cidade, com metas de longo prazo a serem fiscalizadas. A motivação dessa agenda são os exemplos bem-sucedidos de Bogotá, Barcelona e Nova York.
Nunca se viu nada parecido no país em termos de mobilização municipal. Interessante é notar que quase todos os coordenadores do movimento têm um histórico de militância em causas nacionais e até internacionais. Revela-se, dessa forma, a crença de que as cidades devem ser o primeiro espaço das articulações políticas.
No dia anterior ao anúncio do "Nossa São Paulo; Outra Cidade", os ministros do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e da Educação, Fernando Haddad, eram levados a conhecer uma experiência de integração de políticas públicas num bairro (Miguel Couto, em Nova Iguaçu).
Queriam entender como se consegue oferecer educação em tempo integral, com direito a almoço, por R$ 30 a mais por aluno - é exatamente o que acontece num bairro periférico de Belo Horizonte.
Há um imenso futuro para as gestões locais pelo simples motivo de que economizam dinheiro e aumentam a eficiência. Basta ver os chamados arranjos produtivos locais -uma cidade aglutina empresas, centros tecnológicos e universidades para desenvolver uma determinada vocação. Foi assim que uma zona deteriorada de Recife se transformou num pólo tecnológico, exportando programas de informática para todo o mundo. E a bucólica Santa Rita do Sapucaí, em Minas, onde nasceu a urna eletrônica, virou um centro de excelência em telecomunicações. São José dos Campos é nosso melhor caso de arranjo produtivo em torno da indústria aeronáutica, estimulada pela formação de engenheiros no ITA.
Segundo essa lógica, vamos prestar atenção cada vez menos a Brasília e cada vez mais a soluções como o pedágio urbano de Londres, a ofensiva de Nova York para liderar a redução da emissão de gás carbônico, os projetos de Paris para tirar os carros da rua, os modelos de segurança em Bogotá. Também vamos tentar entender melhor como a minúscula e pobre cidade de Barra do Chapéu é campeã do indicador do Ministério da Educação, como uma cidade rural da Índia (Udaipur) combateu o absenteísmo de professores distribuindo uma máquina fotográfica aos alunos ou como o índice de violência despencou no Morro do Cavalão, em Niterói.
Teremos de analisar o que acontece quando um grupo publicitário (YPY) decide fazer de uma escola pública da periferia paulista (Francisco Brasiliense Fusco) um modelo de gestão. Já há bons resultados em experiências de educação pública da Nokia, em Manaus, e da Embraer, em São José dos Campos, assim como das escolas de ensino médio, apoiadas por empresários, no Estado de Pernambuco.
É por isso que um programa, inventado por um grupo de estudantes da Fundação Vanzolini, mal saiu do laboratório e já começa a ser aplicado. Não se estão construindo no Brasil outras cidades, mas está surgindo, em especial, outro olhar -e a rapidez de nosso desenvolvimento social está atrelada à eficiência ou não desse tipo de ação local.
PS - Fiz um relato de todas as experiências citadas nesta coluna para que se veja a relação custo-benefício da engenhosidade local.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
pensata
27/05/2008
Um bom exemplo da USP
Na semana passada, relatei aqui um péssimo exemplo da USP - sua Escola de Aplicação, apesar de estar dentro de um dos principais centros de saber do mundo, dispondo, em seu entorno, de bibliotecas, de museus e laboratórios, está longe de ser um modelo de excelência. Agora, cito um bom exemplo daquela universidade, justamente por significar uma invenção para melhorar a educação pública.
Resultado da experimentação de diversas turmas da pós-graduação da Fundação Vanzolini, ligada à Poli, será apresentado nesta semana um software destinado a exibir para uma escola o que existe ao seu entorno e que poderia ser utilizado por pais, alunos e professores. É uma espécie de Google de bairro, voltado às possibilidade de aprendizado aproveitando-as as redes de saúde, de cultura, de geração de renda, de assistência social, de esportes e lazer.
Esse programa (detalhado neste link), ainda em fase de testes, já chamou a atenção do Ministério da Educação e do Unicef, interessados em usá-lo, inicialmente, em regiões metropolitanas. Motivo: talvez sirva como um mecanismo de baixo custo para aproximar a escola da comunidade, além de aumentar o horário de aprendizado. Com um simples apertar de um botão, um professor poderia saber a quem encaminhar um aluno com problemas auditivos. Ou, para alunos mais agressivos, saberia oferecer programas de esporte ou apoio psicológico. Assim como teria a alista de atividades culturais e profissionalizantes gratuitas.
Uma das tarefas da universidade deveria ser ajudar a educação pública, com cursos de formação de professor, mecanismos de gestão, produção de currículos e até de jogos --a invenção daqueles alunos dá uma pista de que se pode fazer quando se juntam olhar inclusivo, articulação comunitária e pesquisa acadêmica.
Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Pensata.
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