Anexa a transcrição da segunda entrevista de Domenico De Masi no Roda Viva – TV Cultura - 04/01/1999. (Disponível em site da FAPESP)
Nesta segunda entrevista De Mais complementa os pontos discutidos na primeira (03/12/1998)
Impressionante como continuam atuais os desafios identificados. Velhos hábitos custam a passar!!! ("As lições sabemos de cor. Só nos falta APRENDER". E aprender é VIVER)
Desejo-lhes um bom Ócio Criativo nesta leitura.
Preparar esta mensagem certamente o foi para mim.
Um tempo realocado da Distração (TV, bar,..) para a Reflexão (construção da Consciência).
Síntese dos tópicos tratados neste segundo programa (1999):
· Crise das grandes cidades (de trânsito, de poluição, de segurança, de excesso de população)
· Crise da sociedade industrial
· O Brasil como síntese dos problemas globais (Bélgica e Índia lado a lado – São Paulo e Rio no pós-industrial / áreas do Nordeste na agricultura de subsistência (“pré-industrial”)) e, portanto, como Potencial de Solução
· Desempregados versus sub-empregados versus trabalhadores informais versus hiperativos profissionais (sem vida pessoal, familiar, artística, social, política)
· Denúncia de que a isenção de impostos para os ricos, reduzindo as políticas do Estado de Bem-Estar Social, não gera aumento de investimentos – comprovado por estatísticas da OCDE. O que gera é altos salários para os executivos do topo das corporações e especulação financeira. E o investimento produtivo decrescente é feito em máquinas e processos e não na geração de empregos!!!
· Turbo Capitalismo: excesso de maximização da produtividade financeira dos recursos – humanos, naturais, etc. – resultando em concentração de fortunas nas mãos de altos executivos e acelerada especulação financeira nas Bolsas (denúncia premonitória - onze anos atrás !!! - da Exuberância Irracional dos Mercados Financeiros – que acabou estourando em 2008)
· Burocracia como impessoalidade nas relações com o público – a escola francesa – versus a burocracia como carrasco da Criatividade versus o Clientelismo Político
· O Comunismo mostrou que sabe distribuir a riqueza, mas não sabe produzi-la. O Capitalismo, no entanto, mostrou que sabe produzir a riqueza, talvez até demais, mas não sabe distribuí-la. Precisamos de um sistema intermediário (ou de uma síntese que os supere – citadas as idéias do Papa João Paulo II [Karol Józef Wojtyla – um grande conhecedor dos defeitos do Capitalismo e do Comunismo] que precisam de uma versão laica)
· Os economistas americanos que, por estarem no epicentro daquele sistema, notam a aberração daquilo que chamam de "turbo capitalismo". Um capitalismo perigosíssimo. E nós temos de criar uma terceira via, até para ajudar os americanos
· No universo dos criadores encontramos de tudo. Não ter características é a característica da criatividade.
· Keats [John Keats, 1795-1821, poeta inglês] dizia que a obra de arte é uma alegria criada para sempre. Eles nos deram tantas alegrias, que podemos até perdoar alguma fraqueza de sua parte. Mas não podemos perdoar tantos ricos que têm um enorme cinismo e que nem alegrias nos proporcionam.
· Se um novo modelo deve surgir, surgirá dos países que não pertencem ao primeiro mundo. E surgirá de mulheres. São as mulheres dos países do segundo e terceiro mundo. Sobretudo as do segundo, pois o segundo mundo, o dos países emergentes como o Brasil, já tem uma série de fatores culturais muito avançados, mas mantém ainda a ingenuidade de um país subdesenvolvido.
· O que será necessário na sociedade pós-industrial, isto é, no próximo século [referindo-se ao século XXI], é a criatividade. A criatividade é uma síntese de fantasia e concretização. Por sua vez, a fantasia é a síntese do inconsciente e da esfera emotiva. Nós, homens, cultivamos, sobretudo a razão, a dimensão da concretização. E devo dizer que as mulheres também têm culpa nisso, porque o machismo, como dizia uma grande feminista, é como a hemofilia: "acomete os homens, mas é transmitida pelas mulheres [risos]". Foram as mulheres, as mães, que ensinaram os homens a serem machistas. E, naturalmente, isso nos agradou, porque o poder, como diz um provérbio napolitano, "agrada mais que muitas outras coisas".
· Para começar, uma primeira etapa é, obviamente, abolir os escritórios fechados e os lugares demarcados. Mas a segunda... o muro que cerca a empresa. Hoje a empresa é a última fortaleza, o último castelo que sobrou. Ao entrarmos numa empresa damos os documentos, recebemos o crachá, como numa grande prisão. Agora, enquanto o visitante tem de entregar o crachá, porque só podem entrar com autorização, milhares de informações entram e saem sem nenhum documento [mexe as mãos de um lado para o outro], por telefone, fax e correio eletrônico.
· Uma desestruturação total do trabalho é o próximo passo. Pois o trabalho intelectual, o trabalho já realizado por 60% ou 70% da população ativa, por ser mental, pode ser feito em qualquer lugar, em qualquer lugar onde a informação possa nos alcançar. Em qualquer lugar, onde possamos contatar os outros através de telefone, fax e internet.
· Por isso, o local e o tempo do trabalho não têm mais sentido. Toda aquela massa enorme de aparatos burocráticos que as firmas e os ministérios usam para controlar horários de entrada e saída dos trabalhadores é completamente inútil. Eles poderiam ficar em casa, sempre que lá pudessem fazer determinado trabalho. Poderiam ir ao escritório só se necessário para uma reunião ou para lidar com algo que não possa ser deslocado para casa. Isto é necessário.
· Ontem, no Rio [Rio de Janeiro], passei praticamente o dia tendo de me deslocar dentro da cidade, não menos de 4 horas no carro. Imaginemos que isso leve, em média, duas horas. E imaginemos que, no Brasil, 20 milhões de pessoas passem todo dia duas horas no carro. São 40 milhões de horas ao dia praticamente desperdiçadas. E é o sacrifício pago por uma cidade organizada pelo critério de linha de montagem. Como se ainda todo o trabalho fosse feito em um alto-forno e fosse necessário sair de casa e ir ao escritório.
· Então, o senhor fez muito bem desestruturando tudo aquilo. Os arquitetos têm de fazer o mesmo, assim como os dirigentes e os chefes de pessoal. Hoje se tem ainda uma visão, eu diria, clintoniana, das relações de trabalho. Ou seja, é preciso ter os dependentes à mão, de forma tangível. Não há nenhuma necessidade disso. Podemos estar juntos quando necessário e dialogar à distância quando necessário.
· Claudia Costin: E que tipo de mudanças o senhor acredita que poderiam ser feitas no sistema escolar para que a escola não preparasse exclusivamente para o trabalho?
· Gilberto Dimenstein: Posso acrescentar? A escola prepara para a criatividade ou ela prepara para alguém que memoriza e que reproduz informações memorizadas?
· Domenico De Masi: Este é o problema. Se meus alunos - os que tenho na classe e que têm 20 anos - sei muito bem que terão 70 mil horas de trabalho, mas que, no entanto, terão 530 mil horas de vida, ou seja, sabe-se que o trabalho é um sétimo de suas vidas.
· Por que, então, devo dedicar a escola apenas para prepará-los para o trabalho [faz gesto de unitário com as mãos]? O trabalho se tornou uma categoria onívora. Uma categoria que consome tudo: a família, a sociedade, a escola. Só preparam o garoto para o trabalho, só para o trabalho. Mas, o trabalho não é tudo. E, no entanto, há atividades que, mesmo sendo pesadas, são importantes, mas não são consideradas trabalho. O trabalho é uma convenção.
· Uma mulher que cuida do filho não trabalha, de acordo com as estatísticas. Se a mesma mulher cuidar do filho de outra é considerada trabalhadora [risos]. E recebe o salário de babá. Se essa mulher cuidar de trinta garotos ao mesmo tempo é considerada professora. E recebe, então, outro tipo de salário. É tudo uma grande convicção teatral. É um grande teatro a questão do trabalho e do tempo livre.
· Agora, se o que aguarda o jovem são 1/7 de trabalho e 6/7 de tempo livre, a escola, a sociedade, a família e os meios de comunicação de massa devem ensinar esse jovem como usar esse tempo livre. Porque, no tempo livre, podem nascer idéias, pode haver grandes explosões de criatividade, mas pode haver também droga, violência, dissipação, inutilidade e tédio.
· Domenico De Masi: Este senhor me perguntava precisamente como ensinar o tempo livre. O tempo livre se ensina com o próprio tempo livre. Mas, não se trata mais tanto de tempo livre, pois, quando as atividades são manuais, como as de um mineiro, há uma divisão clara entre as horas de trabalho e as horas fora do trabalho. Mas quando a atividade é intelectual, temos aqui um publicitário, como distinguir o tempo de trabalho do tempo livre? Se ele estiver aflito porque tem de achar um slogan ou a solução de um problema de um cartaz publicitário, essa aflição estará sempre presente, até de noite. Ele até pode achar a solução ao amanhecer, ainda sonolento... [sendo interrompido]
· Washington Olivetto: [interrompendo] Você até controla a hora de fazer, mas não controla a hora de não fazer.
· Domenico De Masi: Ótimo. É isso mesmo. Hoje, tudo está mesclado. Estudo, trabalho e tempo livre são uma coisa só. Vou dar um exemplo. O que estamos fazendo agora? Estamos estudando? Bem, às vezes, até trocamos idéias. Estamos trabalhando? Em certo sentido, sim. Estamos nos divertindo? Eu estou. [risos]
· Claudia Costin: Mas essa questão da ruptura, do tempo livre, do trabalho, remete às sociedades indígenas, por exemplo, que é um exemplo que nós temos no Brasil. Quer dizer, nas sociedades indígenas não há essa ruptura entre tempo livre e trabalho. E, aparentemente, o ser humano, na sociedade industrial, quebrou isso. E eu estou ainda voltando à questão da escola. Como é que a escola recupera esta junção, do prazer do aprendizado... É bom, é gostoso aprender? E como que a gente aprende não só para produzir?
· Domenico De Masi: Claro, naquelas sociedades primitivas, estudo, trabalho e tempo livre são uma coisa só. Mas não são produtivas. Devemos achar um modelo que preserve a produtividade e o lazer.
· Quando minha mãe pensava num trabalhador, pensava num camponês, pois ela vinha do campo. Quando nós pensamos num trabalhador, pensamos em Charles Chaplin de Tempos Modernos [filme de Chaplin, lançado em 1936 que retrata a vida de um homem que tenta sobreviver aos avanços industriais do mundo moderno]. Aqueles fotogramas são terríveis, porque gravaram em nossa mente que o trabalhador é um metalúrgico mecânico na linha de montagem.
· Mas, hoje, em 80% dos casos, o trabalhador é um intelectual. É o funcionário, o dirigente, o profissional. São pessoas que trabalham com a cabeça, não com as mãos. Então, para que ter um aparato arquitetônico, um aparato de controle e disciplina como se fossem metalúrgicos mecânicos analfabetos do começo do século? A empresa não renovou sua organização. Ela apenas renovou seu maquinário e substituiu os operários por funcionários e dirigentes. Só isso.
· Caco de Paula: [interrompendo] Professor, desculpe interrompê-lo. É justamente nesse momento em que o senhor identifica que a empresa, pode ser empresa ou Estado, renovou seu maquinário, mas não renovou a sua organização... a gente vendo o que o senhor escreveu, a respeito de todas as sociedades as mais primitivas, a pré-industrial, a industrial, a pós-industrial, a gente vê uma idéia subjacente de evolução na questão tecnológica, que possibilita ter as horas livres.
· No entanto, parece que todo curto-circuito que existe em discutir as horas livres com a felicidade do homem, é a gente perceber que há um descompasso muito grande entre a solução tecnológica, como o homem consegue rapidamente a solução tecnológica e uma dificuldade, não sei se uma falta de criatividade, para encontrar a solução de convívio social.
· Assim, como o senhor vê uma evolução no que diz respeito à máquina, o senhor acredita que o homem tem... O senhor tem, digamos assim, uma expectativa otimista com relação à evolução de consciência, evolução social do homem? Ou esse curto-circuito ainda vai continuar sendo tão grande?
· Domenico De Masi: Eu acho que, quando o ser humano toma consciência de um problema a fundo, costuma achar a solução. O problema é quando não toma consciência ou quando o subestima. Nos últimos dias, conversei com muitos intelectuais aqui no Brasil. São extraordinários, muito ativos, muito inteligentes e criativos. Tomo a liberdade de fazer apenas uma crítica. Parece-me que já se acostumaram a conviver com as diferenças sociais e não as notam mais.
· Ao passo que quem vem da Europa não consegue entender como pode haver, a poucos passos de distância, como no Rio de Janeiro, a maior favela da América Latina [favela da Rocinha, com aproximadamente 150 mil habitantes, fica ao lado de bairros como São Conrado e Gávea] e o bairro dos milionários. Mas, parece que, por força da convivência, como por um mecanismo de defesa psicológica, até o intelectual brasileiro se habituou um pouco a tudo isso. Ou julgam-no uma fatalidade que não pode ser eliminada.
· Mas eu acho que nós aprenderemos a usar as máquinas, desfrutando-as ao máximo, ou seja, delegando às máquinas todo o trabalho nocivo, perigoso, pesado e nos habituarmos a viver com nosso grande monopólio, que é o trabalho intelectual.
· Marcos Antônio de Rezende: Professor, embora os leitores da minha revista, por enquanto, estejam garantindo meu emprego, a questão do desemprego me preocupa. Chateia-me. Eu acho que é uma coisa realmente dramática. O senhor disse, num dos seus escritos, acho que era uma proposta sua... o senhor reflete sobre o fato de que muitos executivos trabalham 10, 14 horas por dia, enquanto colegas ou filhos desses executivos não trabalham nenhuma, porque não têm emprego. E uma das propostas do senhor é, justamente, dividir.
· Cada um trabalha menos para mais gente trabalhar. Mas é possível isso em termos concretos? O senhor acha que é possível organizar o mundo de forma que as pessoas trabalhem menos para que mais pessoas trabalhem?
· Domenico De Masi: Eu trato disso em meu livro O futuro do trabalho, que vai ser lançado aqui no Brasil.
· Acaba de sair na Itália. E foi bem recebido. Houve duas edições numa semana. Mas foi muito criticado pelo Jornal da Confederação das Indústrias, que disse: "Quem vai pagar o tempo livre?"
· É óbvio: quem paga são as máquinas e a produção social!
· Mas, voltando ao assunto, acho que os problemas no mundo são ao menos três. O primeiro, habituar cinco bilhões de pessoas que nunca trabalharam a começar a trabalhar. O que faz o cidadão da favela, ou o cidadão pobre do Cairo, quando acorda de manhã? Ele não vai ao escritório. Ele deve ir à luta até a noite, tentando sobreviver. Então, esses cinco bilhões seriam educados, aos poucos, para um trabalho produtivo. É uma obra colossal, pois começa na escola [junta as mãos].
· Mas, simultaneamente, o bilhão de cidadãos do primeiro mundo seriam educados para trabalhar menos. Assim como os primeiros sofrem, é claro, sem culpa alguma, involuntariamente de ócio obrigatório, os segundos sofrem, com culpa, de hiperatividade. O fato de um dirigente ir ao escritório às 8:00 para sair às 20:00, descuidando totalmente da família, descuidando totalmente da vida política e social, descuidando totalmente de si mesmo... Não vai ao cinema, ao teatro, não lê, não pára um instante para apreciar a beleza do universo, das obras de arte, de tudo que nos é dado gratuitamente. Isso significa depauperar a si mesmo e aos outros, sem nenhum motivo. Não existe um motivo para justificar isso.
· Quando o operário ficava na linha de montagem, se ficasse lá o dobro do tempo, produzia o dobro de porcas. Se um intelectual fica o dobro do tempo no escritório, ele não produz o dobro, produz a metade. Se o nosso publicitário ficasse 12 horas ao dia sentado no mesmo lugar, falando com as mesmas duas ou três pessoas, fechado no mesmo escritório, falando das mesmas coisas, sempre oprimido por uma burocracia imunda, sempre num contexto esteticamente asséptico como um hospital, ele não poderia criar absolutamente nada.
· A criatividade provém da variedade. A criatividade advém da combinação, do jogo, da amizade, do amor, do lazer, da introspecção. E o dirigente não pode fazer nada disso. O dirigente que sai da Business School [escola voltada para a formação de profissionais que seguem carreira de negócios] americana, cujo objetivo é a competitividade, a competitividade destrutiva, em vez de uma emulação solidária, é uma pessoa perigosa para si mesma, perigosa para os outros e para a democracia. De fato, foi daquele mundo, daquele centro social muito perigoso para si próprio e para os outros, que surgiram a globalização selvagem e o turbo capitalismo.
· O mundo está se feminilizando, pois, em 200 anos da sociedade industrial, de meados do século XVII a meados do século XIX, os homens se reservaram o mundo da produção. Reservaram às mulheres o mundo da reprodução e fizeram a cisão: a produção na empresa e a reprodução em casa. E descartaram do mundo da produção todos os valores considerados inferiores: a subjetividade, a estética, a ética e a emotividade. Esses valores tornaram-se quase um monopólio da mulher. O homem se envergonha ao se comover, por exemplo.
· Mas, esses valores que detestávamos e que, portanto, deixamos para as mulheres estão se tornando dominantes, pois, na sociedade pós-industrial, baseada na criatividade, não há possibilidade de criatividade sem estética, sem ética e sem emotividade. É aí que emerge a mulher, ela que foi escrava desses valores e deles está imbuída, hoje, já liberada, na medida em que se liberta dessa opressão, consegue expressar-se.
· Quando cheguei a São Paulo, tive uns momentos de folga enquanto aguardávamos o carro. E andei um pouco pela livraria do aeroporto. É interessante notar que quase metade dos livros é escrita por mulheres. Isso acontece com os filmes. Se assistirmos aos filmes... Quase não percebemos, mas hoje, um número enorme de cineastas é constituído por mulheres. Era um papel que antes cabia à gente.
· Minha grande amiga, a cineasta italiana Lina Wertmüller, era a única cineasta do mundo. Tenho absoluta certeza de que desse advento da grande feminização nascerá uma sociedade nova. Naturalmente, as mulheres que estão se masculinizando cometeriam um erro gravíssimo, porque acabariam se masculinizando justamente quando isto não serve mais. É como os italianos que foram colonizar a África quando os outros iam embora
· Paulo Markun: A pergunta que eu faço é a seguinte: parte dos problemas que o senhor abordou e parte das soluções que o senhor propõe dependem, em grandes instâncias, da decisão de grandes empresários, políticos, da mudança das relações dos países, das definições de vocações, de um projeto de país?
· Agora, tenho a impressão que existe alguma parte disso que pode depender da vontade de cada uma dessas pessoas. Então, eu perguntaria: que parte é essa e se é possível a cada um, de algum modo, dar a sua pequena contribuição para que essas mudanças, no bom sentido, aconteçam?
· Domenico De Masi: Cada um pode dar uma contribuição fundamental. Grande parte das pessoas tidas como civilizadas, isto é, já destituídas, espero não em definitivo, de sensibilidade humana, pensa que tudo que pode agradar custa. E, se não há dinheiro, não há nenhuma possibilidade de usufruir o tempo livre.
· Todos deviam começar a pensar sobre o que são os grandes luxos da sociedade contemporânea. O luxo é uma coisa rara. Era um luxo ter uma carruagem quando ninguém a possuía. Hoje, somando tudo, o que é raro?
· O tempo é raro. Um número enorme de pessoas, embora a média de vida tenha dobrado em duas gerações e haja instrumentos para economizar o tempo, tem a impressão de nunca ter tempo.
· Um segundo luxo é o espaço. Ter espaço. No Brasil, o espaço é infinito. O mundo tem espaço infinito. Porém, há poucos meses, pela primeira vez, a população que vive nas cidades superou os 50% da população mundial.
· Portanto, tempo, espaço e, depois, solidão. Nós precisamos também de momentos de solidão. Precisamos também de momentos de introspecção.
· E, depois, segurança. Precisamos viver em ambientes onde possamos sair à noite, passear e admirar a lua à noite, como o sol de dia, com toda a segurança de que isso não nos cause problemas.
· E, depois, autonomia. Aquela autonomia que nos é tolhida pela cidade, nos é tolhida pela empresa e por toda a burocracia que nos sufoca.
· Então, esses luxos, tudo somado, são luxos que podemos ter gratuitamente. É preciso educação. Uma educação - é óbvio - para aquele sétimo de vida que o jovem terá de passar no trabalho e naqueles 6/7[seis sétimos] de vida, importantíssimos, que o jovem passará no chamado tempo livre.
Um abraço.
Claudio
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